Corro
porque sou kantiana. Não sigo os instintos da minha natureza, mas, sim, torno-me
aquilo que não sou por uma razão maior. Procuro sempre dominar minhas
deficiências, sendo a preguiça a maior delas. Poderia estar perfeitamente
preguiçosa, mas não estou.
Outra
ressalva, em minha alma, é que ela é triste. Só que não posso estar triste, pois
devo, à minha obra, maior discernimento e, às minhas filhas, a força para
criá-las fortes. Então também corro porque o contrário disso seria chorar,
reclamar sem nada fazer e fumar mil cigarros. Dizem que quem tem a lua em
Peixes, no zodíaco, como eu, tem tendência aos vícios. Corro, portanto, dessa
queda para a autodestruição, pois não existe melhor química contra depressão do
que a endorfina.
Correr,
assim, é meu remédio. A minha meditação. Correndo sozinha, estou em minha melhor
companhia. Faz mais de dez anos que sigo fiel a essa saudável rotina. Já adquiri
até uma sesamoidite crônica, mas tenho um bom médico de pés, e palmilhas
especiais.
Dizem,
os invejosos, que correr envelhece. Bom, o tempo envelhece. E eu prefiro
enfrentá-lo na minha melhor forma. Nunca tendo sido gostosa, correndo, jamais
ficarei caída.
Há
os que garantem que correr é um modismo urbano. Não sinto dessa maneira, ou
jamais teria me tornado adepta. Sou avessa a coisas “in”. E, como também não sou
dada a coletividades, sequer costumo correr em grupo. Mesmo nas corridas dos
circuitos, das quais eventualmente participo, quando não estou sozinha, estou
com um amigo silencioso.
Corro,
acima de tudo, porque gosto. Às vezes, chego quase a chorar, tamanha a emoção. A
sensação é de que estou deixando o que fui – meu passado é um resíduo que
defendo, mas não carrego – para trás; e meu corpo agradece, renovado. Todos os
músculos bem preparados para minha defesa, ou daqueles que de mim
precisarem.
Sim,
corro porque posso. Agradeço aos bons joelhos que possuo, que me sustentam sem
reclamar. Claro, tenho métodos, tenho cuidados, tenho as minhas trilhas
prediletas. Dou o melhor de mim nesse projeto, pois dependo dele para viver.
Porque corro, não fumo mais. Porque corro, alimento-me melhor. Porque corro, não
perco as sextas na biritagem – adoro correr aos sábados.
Concluindo,
corro para não preencher perfis óbvios. Pois correr, no meu caso, é praticamente
uma contradição. Porém insisto nisso, encarando como uma manifestação política,
talvez mais significativa que votar. Corro, por causa disso, com toda a
elegância e humildade. Aprendendo a cuidar bem desse corpo que Deus
habita.
Por
fim, eu corro porque acho bonito gente correndo, e quero que as minhas filhas
vejam que todos somos capazes de mudar. E porque não suporto fazer regimes – é
isso: corro porque adoro comer pizza à noite.